E VÓS, QUEM DIZEIS QUE EU SOU?

     




    Hoje celebramos o XXIV Domingo do Tempo Comum. No domingo passado vimos que Deus está sempre pronto para abrir os ouvidos dos nossos corações para ouvirmos os seus preceitos e apelos, e também para estarmos perto dele e dos irmãos. A liturgia de hoje traz igualmente um pouco da mesma temática: o Deus que abre os ouvidos, especialmente na primeira leitura, pois quem tem os ouvidos do coração abertos por Deus tem discernimento, lucidez e convicção no seguimento de Jesus Cristo. Quando não há clareza, podemos seguir qualquer um que se intitule messias.

    A primeira leitura é da profecia de Isaías. O profeta fala sobre o drama do sofrimento, devido à perseguição, incompreensões e humilhações que sofreu, protagonizadas pelos seus algozes. Mas nunca foi abalado porque sentiu o auxílio de Deus, que abriu os seus ouvidos. Por isso, nunca ficou desiludido nem fugiu da sua missão, pois Deus foi o seu verdadeiro advogado. A vida deixada nas mãos de Deus não é um fracasso, porque Ele faz triunfar. Estamos cientes de que, na missão, sempre existem conflitos e incompreensões, que podem culminar em perseguições e, muitas vezes, até na morte. O nosso exemplo supremo é o próprio Jesus, o Filho de Deus, que, tendo vindo ao mundo para salvar a humanidade do pecado, foi incompreendido, perseguido e morto na cruz. Tal como Ele, muitos enfrentaram diversos problemas, perseguições e também foram mortos. Este cenário ainda persiste nos dias de hoje para quem anuncia Deus e proclama as verdades, denunciando as injustiças perpetradas por aqueles que só pensam em si próprios. São, assim, muitos os desafios encontrados na missão da Igreja e também na sociedade. Apesar de todas as dificuldades encontradas na missão, isso não significa que devemos desacreditar das pessoas, ou melhor, dos irmãos. Existem pessoas boas, cujos corações estão preenchidos com Deus, que estão comprometidas com a causa de Jesus e, por isso, doam as suas vidas. Contudo, não podemos ser ingénuos, pois também existem pessoas más, traidoras e maldosas, que podem levantar calúnias e condenações contra os outros sem o menor escrúpulo. Se não houver ouvidos abertos por Deus e coragem, podemos recuar, desanimar e desistir da missão. É um grande alerta que Isaías nos faz, para que fiquemos atentos de maneira a não cairmos na alienação. Devemos confiar em Deus, na certeza de que Ele é o nosso advogado; está e caminha sempre connosco na missão. No Evangelho, ouvimos que Jesus leva os seus discípulos para um lugar retirado, chamado Cesareia de Filipe, um local muito pobre, sem grandes influências e cheio de dificuldades. Lá, Ele procura saber se eles tinham consciência do caminho que estavam a trilhar, do projecto e da causa do mestre que estavam a seguir. Primeiro, Jesus pergunta-lhes o que as outras pessoas diziam a seu respeito. Como é mais fácil replicar ou falar a partir da opinião dos outros, eles nem hesitaram em dar a resposta. Podemos até imaginar que responderam em coro, dizendo que Ele era João Baptista, Elias e outros profetas. Porém, não satisfeito com as respostas dadas, Jesus pergunta novamente: “E vós, quem dizeis que eu sou?” É uma pergunta muito difícil de responder, embora pareça simples. Porque, para dar a resposta certa, é preciso estar envolvido com as suas causas, caminhar com Ele, fazer uma experiência verdadeira e convicta, e, sobretudo, comprometer-se fielmente no seguimento. A pergunta que podemos fazer é: era necessário que Ele os tirasse de Jerusalém e os levasse para um lugar tão distante e pobre para formular estas perguntas? Por que não as fez no local onde estavam? Existe uma pedagogia por trás disso. Jesus agiu desta forma para que eles compreendessem com clareza quem Ele era e qual era a sua missão, sem sofrerem influências externas, visões populares e perspectivas culturais, políticas e sociais, ou mesmo opiniões pessoais infundadas. Sempre é benéfico e estratégico afastarmo-nos um pouco da realidade comum e irmos para um lugar silencioso, para nos encontrarmos com Deus, connosco mesmos e para reflectirmos sobre a razão da nossa existência e questões de fé. Estas questões só devem ser analisadas e reflectidas num ambiente de tranquilidade e espiritualidade adequada. Mesmo nos exercícios espirituais, como retiros, meditações ou estudo da Palavra de Deus, recomenda-se que sejam realizados num espaço de silêncio. Pedro, porta-voz do grupo dos discípulos, resume o sentimento da comunidade do Reino com a expressão: “Tu és o Messias”. Dizer que Jesus é o Messias é o mesmo que dizer que Ele é o Cristo, o Ungido de Deus, que, por sua vez, significa o Libertador que os israelitas ansiavam receber, enviado por Deus para libertar o seu povo e oferecer-lhe a salvação. No entanto, embora Pedro tenha dado a resposta certa, ele ainda tinha expectativas humanas e políticas equivocadas, e não concordava que Jesus tivesse de morrer, pois, para Pedro, o Messias esperado não deveria morrer, mas resolver os problemas políticos. Por isso, Pedro foi veementemente repreendido, por causa da sua visão distorcida do messianismo: uma imagem vitoriosa, sem cruz. No final, Jesus pronuncia estas palavras desafiadoras: “Se alguém quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.”


    Mensagem Este é o princípio que devemos seguir e cumprir. Não podemos condenar Pedro pela sua fragilidade na fé. Cada um de nós deve examinar as concepções que tem de Cristo ou do Messias para ver se realmente são verdadeiras. A mensagem é esta: se queremos seguir Jesus, temos de fazer a renúncia e abraçar a cruz de cada dia, doando a nossa vida, cuidando dos necessitados e empenhando-nos em obras caritativas, como São Tiago nos ensina na segunda leitura (Tiago 2,14-18). Segundo Tiago, a fé sem obras é uma fé morta. Não basta dizer que somos cristãos ou que temos fé, se essa fé não se traduz na vida prática, assim como Jesus demonstrou ao ir ao encontro dos excluídos, dos necessitados e dos pobres, curando e tocando os doentes através dos seus milagres. Que o Senhor nos abençoe, abra a nossa inteligência e nos conceda sabedoria, discernimento e fé, para que sejamos verdadeiros cristãos e abracemos a cruz sem medo das perseguições e dos sofrimentos, comprometendo-nos com a causa de Cristo. Amém.








    Pe. Armindo Paróco do S. Agostinho,
     Vigario Episcopal da Vigararia leste

    Enviar um comentário

    0 Comentários